
RELEASE AFRIKA GUMBE
MARCOS LOBATO / LEONARDO GANDOLFI
Na década de 80, ansiosos por ares novos e outras razões mais, jovens estudantes de toda África Ocidental chegavam ao Brasil. No Rio de Janeiro, eles se viam na Lapa, rua André Cavalcante, entre outros lugares, no saudoso restaurante D’Africa, onde rolava um som ao vivo no segundo andar. Lá trocavam informações, namoravam brasileiras e matavam a saudade do seu continente.
Cheo, um engenheiro civil panamenho apaixonado por ritmos latinos, percussionista do então Afrika Obota (África mãe) que tocava no D’Africa viu Marcelo tocando vibrafone e teclado no Son Caribe, banda carioca decana de música latina dos anos 80; não titubeou e chamou Marcelo para tocar na banda. A intenção de Cheo era profissionalizar e dar consistência musical a um novo Afrika.
A coisa tomou figura. Marcelo, arranjador e produtor, ao lado de Raul de Barros Junior (baixo), Eduardo Oliveira (guitarra) Humberto de Souza (percussão), e mais tarde, Chico Costa ( sax tenor), polia o talento da banda, particularmente, do cantor guineense Carlos Budjugu. Em 1988, com a entrada de Pedro Leão e Marcos Lobato, os três refizeram o time que empurrava outros trabalhos, como o de Fausto Fawcett .
Gumbe, de n’gumbe – um ritmo e festa da Guiné Bissau – foi o nome escolhido por consenso, após a saída de Carlos Budjugu. Aconselhados por Adu Obalogun (Humberto de Souza), percussionista, advogado e pesquisador da cultura afro-brasileira, os irmãos Lobato tiveram aulas de iorubá com o arquiteto nigeriano Edward Eyitenne, protestante de formação; bancadas com a venda do “Piscina”, uma Caravan valente, 4 cilindros, 1976 de um azul-verde questionável. Assim atingiam nos textos a mesma liberdade que já realizavam musicalmente.
Logo Antonio Duncan – um antigo profissional da Emi-Odeon, então no selo Eldorado, braço fonográfico do grupo Estado de São Paulo – se interessou pelo trabalho, que ele havia ouvido numa fita cassete Basf.
Depois de um mês e meio de gravação e mixagem, em setembro de 89, saiu o primeiro vinil do Afrika Gumbe. Em 91, os afrikas foram surpreendidos com o lançamento da versão de seu disco em cd (http://www.amazon.com). O licenciamento para os USA não foi lucrativo. O produtor e empresário do selo Celulloid, Bob Soares, adulterou os créditos do disco, intitulando-se produtor; tal qual havia feito com os outros licenciamentos da gravadora Eldorado para os USA.
Os afrikas fizeram muitos shows pelo circuito carioca, a saber, Circo Voador – onde animavam a domingueira junto de Paulo Moura e da Orquestra Tabajara –, Sala de Cultura Laura Alvim, Café Teatro Mágico e outros. O trabalho seguiu até 92 quando Marcelo Lobato formou o Rappa, junto de Marcelo Iuca, Alexandre “Xandão“ Menezes e Nelson Meirelles. Marcos e Pedro seguiram suas vidas, tocando e gravando com Fernanda Abreu, Gabriel Pensador, Fábio Fonseca, Lucas Santanna, Toni Platão, Pedro Luis e a Parede, Lenine e outros. Pedro se casou, foi morar em Santa Teresa e botou mais um Pedro Leão no mundo.
A banda continuou discretamente compondo e registrando suas ideias. O trabalho e a agenda exaustiva do Rappa não permitiam aos Lobatos maior fôlego. Com a resolução de um ano sabático do Rappa em 2010, eles aprontaram o inédito “Meu Refrão Inquieto”, primeiro de 4 álbuns do material acumulado. 12 músicas, agora cantadas em português. Os textos são de Marcos, musicados por Marcelo, com exceção de Sinais do Vento, de Pedro Leão.
As letras: motes, pensamentos agridoces sobre o amor e a morte, provocações, descrições surrealistas, morais e sexuais, odes a heróis como Darcy Ribeiro ou o botafoguense Didi , são emolduradas pela psicodelia e fartura instrumental.
O suposto som tenebroso do russo theremin dos filmes sci-fi, as meditativas cítara, tabla e tambura lutam por espaço com vibrafones, guitarras africanas, banjos, teclados, slides, cavaquinhos, bandolins e percussões na mixagem técnica e brilhante.
Além do amadurecimento musical e do prestígio angariado com o primeiro disco, foram fundamentais as participações de Zé Nóbrega, um velho amigo, também músico, produtor executivo.Igor Ferreira, 20 anos mais novo, convidado inicialmente para ajudar nas gravações de bateria para liberar o pequeno-homem-polvo-Lobato de assoviar e chupar cana ao mesmo tempo, foi promovido a co-produtor, alvo de todo tipo de piada infame. Foi escolhido baterista da banda nos shows. O perfeccionismo e a demanda do trabalho não permitiram que eles surfassem a onda da Copa da África e outras efemérides. Não havia pressa.
O disco, masterizado por Ricardo Garcia, aguarda o trabalho gráfico precioso de Tarso Pizzorno, e Mário Proença. O trabalho denso, variado em timbres e polirritmias, agora cantado em português, mescla elementos de uma saudosa mpb transgressora e original, ritmos africanos como o afro-beat de Fela Kuti e o juju music do nigeriano Ebenezer Obey, candombe uruguaio, música indiana e persa, malandragens cariocas e rock progressivo. Um disco instigante, o novo trabalho do Afrika Gumbe representa uma África sem folclorismos.
Marcos Lobato 21 9692 8517
Zé Nóbrega 21 8899 0489 ( produtor executivo )